"O sol brilhava fraco no final daquela tarde. Eu estava andando um pouco sem rumo. Foi quando eu passei novamente em frente à escolinha do Jardim de Infância. E eu a vi lá. Havia algumas crianças ao seu redor fazendo bolhas de sabão. E ela estava rodeada por elas. Bolhas multicoloridas realçando o seu sorriso.
Eu parei e me apoiei no muro, admirando aquela cena. As crianças sorridentes. E ela estava tão linda... Usava um vestido azul sem mangas, um avental branco e os seus cabelos loiros e lisos presos em um rabo.
Um tempo depois, as mães daquelas crianças foram chegando até que só sobrou ela. Foi então que ela pegou uma mangueira e aproximou-se do muro. Sorte minha que ela não me notou, até acontecer aquilo. A mangueira recebeu muita pressão da água e acabou ficando descontrolada. E eu estava bem ali na frente, e acabei ficando todo molhado. Ela percebeu que eu estava todo ensopado e fechou a torneira. Parecia um pouco envergonhada na hora de pedir desculpas, o que foi a melhor parte:
-Desculpe! Eu acho que abri demais a torneira!
-Não tem problema. - Eu sorri.
-Vou te levar para a minha casa! Lá tem roupas limpas e fica aqui pertinho! - Acho que ficar todo molhado daquele jeito, foi uma boa coisa afinal.
Ela me levou até um pequeno edifício de no máximo cinco andares. Chegamos no último e ela abriu a porta. Eu estava pingando.
Era um apartamento pequeno. Com uma sala com um sofá de dois lugares e uma poltrona. Uma cozinha com um barzinho e três banquetas. Tinha dois quartos e um banheiro.
Eu entrei no banheiro e ela me trouxe roupas limpas:
-São do meu irmão, ele se mudou, mas deixou algumas. Não tem problema você usar.
Eu tomei um banho rápido e quando as coloquei, as roupas serviram certinho. Eu saí do banheiro e coloquei minhas roupas molhadas em uma sacola. Antes de eu ir embora, ela se apresentou:
-Meu nome é Flávia! E o seu?
-Tony. - E eu saí. Aquele foi com certeza um dos melhores dias da minha vida.
Eu voltei na semana seguinte. Todas as noites, a cidade foi castigada por nevascas terríveis. O metrô estava cheio, mas eu estava motivado a vê-la. Eu tinha decorado o caminho e qual era o número de seu apartamento. Tomei coragem, e toquei a campainha. Ela demorou para me atender. E quando abriu a porta, parecia abatida e triste.
Eu a cumprimentei e lhe entreguei as roupas. Ela me indicou o sofá e eu me sentei. Foi quando tudo aconteceu: Ela sentou-se ao meu lado e quando olhei-a, lágrimas escorriam e então ela me abraçou.
Para mim, o tempo parou naquela hora. Eu a abracei de volta. Sentir seu corpo colado ao meu. Rodeado de ternura. Suas lágrimas molhavam minha camisa. Ficamos daquele jeito por um bom tempo. E eu aproveitei cada segundo.
Minha mãe me dizia que quando uma mulher chora, não devemos perguntar ou fazer qualquer coisa. Devemos sempre consolá-la. E foi o que eu fiz. Mais uma vez, minha mãe estava certa. Quando dei por mim, ela estava dormindo apoiada em minhas pernas. E eu adormeci também.
Não sei que horas eram, mas acordei com um grito abafado. O dela. Abri os olhos, e ela me encarava boquiaberta e seu rosto estava completamente vermelho. Minha reação foi um sorriso espontâneo.
-Me desculpe... - Parecia muito envergonhada, mas sinceramente eu não via muitos motivos para isso. Eu sorria feio um bobo. Eu queria que aquilo se repetisse sempre.
Depois disso, eu tentei ser amigável. Conversamos sobre várias coisas. E ela até me passou seu celular. Estava anoitecendo e eu fui embora. O inverno havia chego e com ele o natal também chegaria. Eu decidi ligar para ela e convidá-la para sair comigo no dia 24.
-Alô?
-Oi. É o Tony! Eu queria saber se você quer sair para dar uma volta comigo no dia 24...
-Hm. Eu posso! Onde vamos nos encontrar?
-Na frente da cafeteria do centro!
-Ok! Nos vemos lá!
E quando ela confirmou, me senti na obrigação de comprar um presente. Fui até uma pequena loja e lá comprei um par de brincos e ficariam perfeitos e realçariam seu cabelo.
O dia chegou mais rápido do que eu pude imaginar. Eu cheguei cedo no nosso ponto de encontro. O chão, o telhado das casas, as árvores e tudo o mais estavam cobertos por uma fina camada de neve. Ela chegou no horário marcado e nós entramos na cafeteria. Tomamos café e conversamos por um bom tempo.
Fomos passear no parque. A paisagem branca era muito atraente. Sentamos em um banco. Eu tirei o pacote do bolso e entreguei a ela. Eu percebi pelo seu sorriso que ela gostou.
E agora vem a melhor parte do passeio. Eu estava um pouco distraído. E foi quando ela foi me agradecer com um beijo na bochecha, eu virei bruscamente e ela acidentalmente me beijou nos lábios. Foi por poucos segundos, mas foi muito doce e gentil. Quando ela percebeu o que havia acontecido, se afastou e começou a olhar a paisagem envergonhada. Um fato sobre mim é que vergonha nunca me impediu de fazer nada. Nunca.
-Ei... - Eu a chamei. Ela pareceu relutar ao olhar para mim. - Poderíamos fazer de novo? - Ela ficou realmente surpresa. - É que está frio, e foi muito... confortador... - Mas antes que eu terminasse a frase, nós já estávamos nos beijando. Dessa vez foi um beijo de verdade. Mais demorado, mas igualmente gentil e doce. A neve começou a cair ao nosso redor. Alguns flocos prenderam-se em seu cabelo. Eu passei a mão para tirá-los, mas derreteram-se e molharam minha mão e seu cabelo. Ela sorriu.
Nós voltamos para aquela cafeteria. Tinha pouca gente. Foi então que eu comecei a descobrir mais sobre ela. Ela adorava pão de queijo. E café apenas com leite. E o melhor. Era livromaníaca. Junto com a cafeteria, havia uma pequena livraria. E ela ficou maravilhada com todos aqueles livros. Enquanto estávamos sentados naquela mesa, com a neve caindo lá fora, ela me contou tudo sobre seus autores favoritos. E eu ouvi pacientemente. Quanto mais ela falava, mais eu me interessava.
Eu nunca tive paciência para ler. Sempre preferi filmes. Mas ela me ensinou a mágica que os livros proporcionam.
Depois de um tempo, uma nevasca se formou e os poucos que estavam naquela cafeteria, incluindo nós, ficaram presos. O jeito foi esperar, mas foi aumentando mais e mais até que a luz acabou. Apenas duas lâmpadas de emergência estavam ligadas.
E foi então que eu percebi a expressão desesperada no rosto dela.
-O que foi? - Eu disse preocupado.
-Eu não gosto de nevascas. - Ela tinha lágrimas nos olhos. - Meu irmão morreu em uma. - Foi então que eu finalmente entendi. Aquele dia que ela estava chorando... Me senti desconfortável naquela hora. A neve martelava a janela.
Era quase 2 das manhã quando parou de nevar. Nós fomos andando até a casa dela. E ela insistiu que eu dormisse por lá, o que eu acabei fazendo. Eu dormi no quarto que pertencia ao irmão dela. Me senti muito mal com isso.
Eu acordei e era pouco depois do meio-dia. Fui até a cozinha, e ela estava ingerindo duas cápsulas.
-O que é isso? - Eu perguntei.
-Ferro. Eu tenho anemia por falta de ferro. E se eu não tomar todo o dia, eu tenho um ataque ou coisa do tipo. - Inusitado. Foi a palavra que veio na minha mente naquele momento.
Nós vivemos desse jeito por dois anos. Quando eu contei que já tinha dois anos de namoro com ela, todos do meu setor da empresas me aplaudiram.
Acho que nunca comentei sobre onde eu trabalho. Uma empresa têxtil que meu pai fundou. Eu cresci rodeado pela maioria das pessoas q trabalham lá. E eu sempre sonhei tomar o lugar do meu pai.
Aqueles dois anos foram maravilhosos. Mas começamos as nos incomodar com uma coisa: onda cada um morava. E eu queria me casar.
Eu estava a ponto de fazer o pedido.
-Tony. O que você acha de você vir morar aqui? - Eu então tomei coragem e mostrei a aliança.
-Oh.
-Você quer casar comigo? - Ela olhou para o anel e sorriu. Pegou a caixa em que ele estava e colocou no criado mudo ao lado da cama. Logo depois, adormecemos.
Acordei com ela me batendo com o travesseiro. E começamos uma guerra. Batemos um no outro até as penas se espalharem pelo quarto. Enquanto as penas caíam, eu a prensei no colchão. Segurei seus braços e suas pernas e a beijei. Essa é a melhor memória que tenho.
Enquanto desfrutávamos daquele momento, alguém abriu a porta do quarto e a luz nos atingiu. Nós olhamos em direção da porta e uma mulher estava parada ali. Ela não devia ser jovem, mas também não era muito velha. Estava com um vestido longo e sandálias. Ela nos olhou durante algum tempo antes de gritar:
-O que está acontecendo aqui!? Quem é você?! - Eu me afastei de Flávia. Foi a primeira vez que eu fiquei envergonhado. Ela também parecia pouco a vontade.
-M-mãe. Quando você chegou?
-Hoje de manhã. Eu já tinha a chave, então entrei, mas como você estava demorando, eu vim te acordar. E dou de cara com essa... cena. E quem é você? - Ela olhou para mim.
-Tony. Meu noivo. - Eu poderia ter saído dançando dali. Me senti tão feliz naquela hora. Era a primeira vez que eu encontrava minha futura sogra e já causo má impressão.
Aparentemente, Jéssica (ela se apresentou para mim depois) não pensou boa coisa. Eu tentei conversar um pouco com ela, mas como dizem, a primeira impressão é a que fica. Eu me troquei no outro quarto e depois que Flávia já não estava mais de pijama, eu me despedi:
-É sério mesmo?
-O que?
-O que você disse mais cedo. Eu sou mesmo seu noivo? - Ela enrubesceu. Violentamente.
-Ahn... - Mas para o meu azar, Jéssica a chamou. E eu me apressei para ir embora.
De tarde, eu passei em frente a escolinha. Ela estava saindo e não tinha uma cara muito boa:
-O que aconteceu?
-Minha mãe desaprova nosso casamento. - A questão é que quando a mãe da Flávia ia casar, o pai dela fugiu e a abandonou grávida no altar, ela era bem nova. E quando digo nova, era mesmo. E ela tem muito medo dessa história se repetir com a Flávia e eu só dei motivos para que o casamento não acontecesse. Mas houve um incidente que fez com que ela me aceitasse.
Saímos nós três para ir ao parque de diversões. Flávia tinha em mente que se ela convivesse mais comigo, perceberia o quanto eu era legal. E meio que acabou aconteceu, mas não da maneira que ela esperava. O resumo de tudo foi: Eu e Jéssica fomos comprar sorvete, e deixamos a Flávia sozinha. E quando estávamos indo na direção dela, um cara a agarrou. Eu perdi totalmente o controle e lhe dei uma surra. Foi o suficiente para que Jéssica ficasse satisfeita:
-Não me decepcione. - E eu finalmente ganhei o direito de me casar. A Flávia demorou um tempo pra entender e também começou a se perguntar o porque que sua mãe estava indo embora. O resto do dia, ela não parou de falar no casamento. Ela estava tão perdida nas ideias. Queria se inspirar em cada casamento de cada livro que leu. Nós ficamos uns dois meses planejando tudo.
Quando eu estava no altar e ela entrou na igreja com o padrasto, eu estava tão feliz que poderia explodir. Seu vestido era tomara que caia, com uma flor no decote. Ele tinha um forro branco e várias camadas de renda transparente com desenho de flores.
Eu não sei quem chorou mais durante a cerimônia. E nós tivemos uma festa maravilhosa e uma lua de mel melhor ainda. Nós fomos para o Havaí. Ficamos duas semanas lá. E assim que voltamos, Flávia estava passando muito mal.
Eu fiquei tão preocupado que deixei nossos pertences com a Jéssica e fomos direto ao hospital. E no fim eu me preocupei a toa, porque eu recebi uma notícia ótima: ela estava grávida! Íamos construir uma família!
-Que nome vamos escolher? - Ela me perguntou um dia.
-Se for menina, vai ser Eleonor.
-E se for menino?
-Caius.
-Perfeito.
Depois que a Eleonor nasceu, nossa vida encheu-se de alegria. Nós não parávamos nem um segundo. Eu ainda era muito desengonçado com toda essa coisa de cuidar de uma criança, mas eu estava no caminho certo. Mas tudo escapou de mim tão rápido...
A Eleonor tinha completado cinco anos, quando a Flávia havia esquecido de comprar as velas para o bolo e saiu as pressas. E ela não voltou.
A partir daí, minhas memórias ficam enevoadas. Eu me lembro do choro da Eleonor e de sangue. Muito sangue. Os médicos tentaram salvá-la, mas foi inútil."
Assim que ele termina de contar a história, a secretária do médico entra na sala anunciando que a consulta havia acabado.
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