quarta-feira, 12 de março de 2014

Agentes do Desejo - Henry

  E uma estrela cruzou o céu.
  -Você viu Ana? Uma estrela cadente! Faça um pedido, rápido! - A garotinha fechou bem os olhos e desejou mentalmente. - Pronto?
  Ela assentiu.
  -Você tem que desejar também. - A mais velha sorriu e fechou os olhos.
  "Que a mamãe consiga arranjar um emprego logo e que ela consiga se apaixonar de novo."
  -Eu acho que sei o que você desejou. Foi um novo papai não é? - Ela tinha um sorriso sapeca nos lábios.
  -Se eu revelar, o desejo não se realiza. Agora, vamos dormir, pois amanhã você tem aula!

***

  -O satélite 221 captou alguma coisa?! - Mark gritou. Um homem se apressou e se colocou na frente dele.
  -Uma garota chamada Danielle e sua irmã Ana Gabrielle. As duas desejaram que a mãe consiga um emprego e um namorado.
  -Acha que consegue lidar com o desejo duplo? 
  -Acho que sou perfeito para o trabalho, senhor.
  -Sabe, você está sendo muito útil para nós, Henry. Com a superlotação de desejos, está sendo difícil realizá-los com a mesma eficácia com que fazíamos antes.
  -Não se preocupe senhor, eu farei com que aquelas duas meninas tenham seus desejos realizados.
  Mark guiou Henry até o hangar de lançamento, lá uma cápsula o esperava para descer.
  -Antes de ir, me diga, vai ser abordagem direta ou indireta?
  -Direta. Crianças são bem difíceis de agradar. Será mais fácil se eu conseguir conviver com elas por um tempo.
  -Ótima estratégia. Agora vá. - Henry acenou a cabeça e entrou na cápsula.
   
***

  -Vamos Ana, não queremos que você chegue atrasada! - Era Danielle que a estava apressando.
  -Mamãe disse que eu preciso de tempo para amarrar os sapatos! - A mais velha olhou no relógio. Estavam atrasadas.
  -Eu amarro para você no carro, agora vamos! - Ela pegou a pequena garota no colo, apanhou a mochila e saiu pela porta. A mãe esperava no carro.
  -Dani, porque você está estrando pela porta traseira?
  -Estamos atrasadas mãe! - A mulher engatou ré e saiu da calçada.
  Danielle depositou a mochila no carpete e colocou o cinto de segurança na irmã. Assim que a garota estava devidamente sentada, ela apanhou seu pé e amarrou seu cadarço.
  -Por que demoraram tanto? - A mãe perguntou enquanto dirigia.
  -Ana se atrapalhou com os cadarços. - Danielle respondeu.
  -Isso foi porque você ficou me falando para ir rápido. Só me deixou mais confusa! - A mãe deu uma risadinha.
  -O dia mal começou e vocês estão brigando. Isso não faz bem! Vamos, sorriam! - A mais nova abriu um sorriso imediatamente, revelando a falta de um dente de leite. A mais velha, demorou, mas sorriu.
  A mãe parou o carro bem na hora em que o inspetor fechava o portão. As duas garotas saltaram do carro rapidamente.
  -Tchau mãe! - Gritaram em uníssono. Ela observou as duas entrarem e o portão de fechar atrás delas.
  Assim que voltou a dirigir, o sorriso radiante desapareceu. Carolina sempre teve cuidado para não parecer triste na frente das filhas. A situação estava difícil e ela achava que trazer as garotas para o buraco junto com ela, só pioraria tudo.
  Era jovem quando o conheceu. Foi amor a primeira vista. Não bem se conheceram e já planejavam o casamento. Danielle veio primeiro e, dez anos depois, Ana Gabrielle estava a caminho. Mas ela escolheu o pior momento.
  O marido estava em plena quimioterapia. Câncer no pulmão. Mas assim que soube da gravidez, interrompeu o tratamento. Dizia que a filha era mais importante.
  Nove meses depois, enquanto segurava a recém-nascida nos braços, faleceu.
  Passaram seis anos e ela ainda não conseguira se recuperar. E a situação foi indo de mal a pior, tinha duas filhas para criar sozinha e depois que a licença maternidade terminou, ela foi demitida. Conseguiu, com o passar do tempo, trabalhos em restaurantes e lanchonetes, mas nada duradouro.
  Mas hora ela finalmente iria fazer uma entrevista depois de quase dois meses sem trabalhar.
  Com este pensamento, sentiu-se mais motivada e assumiu uma expressão destemida. Virou a esquina para a rua de sua casa e BAM! havia batido em alguma coisa. Ou alguém.
  Ela literalmente saltou para fora do carro para ver o que havia acontecido. Não havia nada na frente dela apenas um segundo atrás. De repente, algo simplesmente aparece na frente do carro dela.
  Ela se aproximou e viu um homem caído no chão. Parecia desmaiado.
  -Oh meu Deus! - Exclamou, percebendo que ela havia feito isso.
  O barulho chamou a atenção dos vizinhos, que logo saíram de suas casas. Algumas mulheres se aproximaram com uma almofada e um copo de água.
  -O que aconteceu Carol? - Era Susi. A vizinha mais chegada de Carolina.
  -Eu estava dirigindo e, de repente, este homem surgiu na frente do meu carro!
  -Vou ligar para uma ambulância! - Susi estava se dirigindo para dentro de sua casa para usar o telefone, quando um braço a impediu.
  -Espere, ele está acordando. - As mulheres se afastaram e Carolina se ajoelhou no asfalto ao lado dele. - Você está bem?
  Ele abriu os olhos. Carolina se viu encarando profundos olhos cinzentos.
  -O que aconteceu? - Sua expressão era pura confusão.
  -Eu atingi você com meu carro. - Ele se sentou. Ainda sentia-se um pouco tonto e desnorteado. Sua cabeça latejava. A mulher que havia falando com ele segurou seus ombros. - Fique deitado. Susi, chame uma ambulância!
  -Minha cabeça dói. - Ela exclamou ao deitar novamente.
  -Desculpe. Minha vizinha foi chamar uma ambulância, então eu acho que devemos te manter acordado até que ela chegue. - Assim que Susi retornou, a multidão começou a se dispersar. - Então, qual seu nome?
  Sua expressão ficou confusa novamente.
  -Eu não sei. - A mulher lhe lançou um olhar assustado. Pigarreou antes de falar.
  -Eu me chamo Carolina. E esta é a Susi. - Ela se virou para a outra mulher. - Acho que a pancada deixou ele sem memória.
  -Será que ele não tem documentos? - Susi perguntou.
  -Você se importa se eu checar seus bolsos? - Ele balançou a cabeça.
  Ela checou um e depois outro. Vazios.
  -Que tipo de homem anda sem os documentos? Carol! E se ele estiver fugindo da polícia?
  -Não seja ridícula Susi. Se existisse um homem tão perigoso assim, eles teriam avisado na televisão. Não creio que já vi o rosto dele em lugar algum.
  -Talvez ele seja um fugitivo de outro pais!
  -Se fosse assim, ele não estaria nos entendendo!
  A ambulância finalmente havia chego. Os médicos desceram e o colocaram sentado na traseira do veículo. Fizeram alguns exames padrão, o que demorou mais ou menos dez minutos.
  -Parece que o trauma causou a perde de memória, mas não se preocupe, é temporário. Não sofreu nenhum ferimento e o choque inicial passou. Eu recomendo tirar uma radiografia do crânio, mas fora isso ele parece bem.
  Um dos médicos o ajudou a se por de pé.
  -Consegue andar? - Ele assentiu. - Vou levar você até minha casa. Susi, pode estacionar meu carro? As chaves estão lá dentro.
  -Claro.
  Ela destrancou a porta e eles entraram. Ele observou a entrada com cuidado. Era um pequeno corredor que dava na sala. Do lado esquerdo havia a cozinha e do lado direito um outro corredor que levava aos quartos e ao banheiro. Ela o guiou até o sofá cinza.
  -Não lembra de nada ainda? - Carolina perguntou enquanto se dirigia para cozinha.
  -Nada antes do acidente. Me sinto tão estranho.
  -Desculpe por fazer você perder a memória. Eu estava tão distraída com pensamentos que nem vi você se aproximar. - Ela reapareceu com um copo d'água. Entregou para ele.
  -Por favor, não se culpe. Eu posso não lembrar, mas é provável que talvez eu tenha sido impudente ao atravessar mesmo com um carro se aproximando.
  -Eu vou ter que te levar para fazer uma radiografia, então acho que você terá que ficar aqui. Não tem problema não é? Vai ter que dormir no sofá porque eu não tenho nenhuma cama sobrando.
  -O sofá está bom para mim. - Carolina desviou o olhar para o relógio na parede atrás dele. Marcava 8h40min. Ela estava atrasada.
  -Oh puxa! Eu vou ter que te deixar aqui! Tenho uma entrevista às nove e estou atrasada. Você vai ficar bem?
  -Eu me sentiria pior ainda por fazer você perder esta entrevista. Vá, ou vai ficar mais atrasada.
  A mulher saiu apressada da casa.

***

  Assim que ela fechou a porta, o homem suspirou. Sua cabeça ainda doía e estava realmente confuso. As únicas coisas que sabia era que tinha sido atropelado por uma mulher. E ela era bonita.
  Aproveitando que estava sozinho, resolveu olhar com atenção a casa. Começou pela sala: havia apenas um sofá de três lugares. A TV não era grande nem muito fina, era um modelo bem antigo. Na estante, haviam vários retratos de duas meninas. Ele as achou tão bonitas quanto a mãe. Ele reparou que do lado oposto do sofá havia um espaço vazio. Algo estava ali, mas agora não estava mais.
  Ele foi para a cozinha. Bem no meio estava uma mesa com quatro cadeiras. Do lado direito ficava a pia e o fogão. Do lado esquerdo estavam os armários e a geladeira. Grudado no eletrodoméstico, mais fotos das duas garotas.
  No pequeno corredor, ele entrou no quarto dela. A cabeceira da cama ficava embaixo da janela. Do lado esquerdo ficava um guarda-roupa marrom e do lado direito estava um cabideiro lotado de bolsas. O chão tinha vários sapatos espalhados e até mesmo uma boneca barbie.
  O próximo foi o quarto das duas garotas. Era um quadrado com uma sacada no lado oposto ao da porta. Havia um beliche e um guarda-roupa igual ao do outro quarto, só que este estava decorado com figurinhas e glitter. Atrás do beliche havia uma escrivaninha com um notebook e alguns livros didáticos. Também havia um porta-retrato. Ele reconheceu a garota mais velha sentada no colo de um homem. Ele pareciam muito felizes.
  Ao sair do quarto, viu pela porta entreaberta do banheiro um vislumbre de um espelho. Foi então que se deu conta que não se lembrava da própria aparência. Contou até três e se olhou no espelho.
  O que viu foi um par de olhos cinzentos, um queixo arredondado e um nariz fino. Havia um leve sinal de barba. O cabelo de um tom escuro de castanho e a sobrancelha esquerda era falhada na ponta.
  -Quem é você?

***

  Carolina estava tão desesperada para chegar à entrevista que até se arriscou a levar uma multa ultrapassando os sinais vermelhos. Seu esforço foi em vão. Chegara depois do horário e perdera a oportunidade. Não era uma vaga para sua área, mas tinha um salário razoável que era mais que suficiente para a presente situação.
  Ela agarrou firmemente a pasta com os documentos e saiu andando para fora da agência. No caminho de volta ao carro, não conseguia olhar para frente enquanto lutava para que as lágrimas não caíssem. Ela tentaria de novo.
  Estava tão distraída que não vira o homem se aproximar, resultado em uma colisão, café derramado e um celular na calçada.
  -Oh, me desculpe! - O homem exclamou enquanto se abaixava para resgatar o celular que derrubara. Carolina olhou para si mesma para encontrar a camiseta  toda manchada de café.
  -Não se preocupe. Eu estava distraída.
  -Sua blusa está toda manchada de café! Foi minha culpa também, eu estava mexendo no celular e mal vi por onde estava indo.
  -Minha blusa não tem problema, se meu currículo não molhou, não preciso me preocupar. 
  -Você disse currículo? Está a procura de um emprego?
  -Bem, sim. Mas na área em que me formei está bem difícil, então estou pegando qualquer coisa. - O rosto do homem se iluminou.
  -Estou iniciando uma empresa com meu irmão. Se importaria se eu pegasse um de seus currículos??
  -Claro que não! - Ela abriu a pasta e estendeu a folha para ele.
  -Quando eu conseguir uma confirmação, eu te ligo. Senhorita... - Ele desviou o olhar para a folha. - Carolina. - Ela assentiu com um sorriso. - Tenho que ir. Desculpe novamente pela sua blusa.
  -Não se preocupe.

***

  Era quase 12h30min quando Carolina apareceu com as meninas. Mais cedo, naquela manhã, ela havia voltado da entrevista com a blusa manchada de café e um sorriso no rosto. Ela dissera ao estranho que nunca ficara tão feliz em esbarrar em alguém.
  As duas garotas estavam paradas na entrada olhando para ele. A mais nova estava no colo da mais velha.
  -Meninas, como eu disse no carro, teremos um hóspede por um tempo. Sentem um pouco enquanto eu guardo as coisas de vocês.
  Assim que a mãe saiu da sala, a mais velha perguntou:
  -O que minha mãe fez para você? - Ele admirou a sinceridade da garota.
  -Ela me atropelou. E os médicos disseram que o choque fez com que eu perdesse a memória. - A garota suspirou.
  -Eu sou a Danielle e esta é minha irmã Ana Gabrielle.
  -Eu tenho SEEEEEEEIS anos! - A garotinha exclamou. - Qual é seu nome?
  -Eu não me lembro. - A garotinha colocou a mão no queixo, pensativa.
  -Mas você precisa de um nome! - Ele sorriu e trocou um olhar com Danielle.
  -Por que você não escolhe um para ele? - A mais velha sugeriu. A garota assentiu em concordância, animada.
  Carolina surgiu do corredor:
  -Vão tirar o uniforme enquanto eu preparo o almoço! Rápido. - As meninas correram para o quarto.
  -Quer ajuda? - Ele perguntou enquanto a seguia para a cozinha.
  -Não precisa. - Ela olhou para ele enquanto prendia o cabelo em um rabo-de-cavalo. - Só preciso fazer o arroz e fritar a carne. Nada difícil de se fazer. - Ela fez uma pausa. - Você não lembra o próprio nome, mas lembra como cozinhar?
  Ele ficou sem graça.
  Uma garotinha de vestido azul entrou correndo na cozinha:
  -Mamãe! - Ana gritou. Em uma ação involuntária, Carolina a pegou no colo. - Enquanto eu estava colocando meu vestido, eu estava pensando em nome para ele. Foi ideia da Dani.
  -E você pensou em um? - A garotinha balançou a cabeça.
  -Roger! - A mãe ergueu uma sobrancelha.
  -Eu gostei. - O homem deu seu veredicto. A frase deixou o rosto da menina radiante de felicidade. Ele ficou feliz em vê-la sorrindo.
  -Ana! - Danielle gritou da sala. - Seu desenho está começando! - Carolina colocou a menina no chão e ela correu para o sofá.

***

  Carolina ouviu três batidas na porta. Alguns segundos depois, Danielle surgiu:
  -Eu já coloquei a Ana pra dormir.
  -Obrigada, mas você não veio aqui só para isso não é? - Ela indicou o pedaço de cama ao lado em que ela estava sentada. A filha sentou-se.
  -Você estava pensando no papai de novo! Você prometeu que ia superar!
  -Eu superei querida. Mas, isso não significa que eu vou esquecê-lo. E eu definitivamente não quero esquecê-lo.
  -E o que pretende fazer com esse estranho na nossa casa?
  -Eu planejava deixá-lo ficar aqui até recuperar a memória.
  -Mãe! E se ele nunca recuperar? Vamos viver com ele para sempre? - Carolina suspirou.
  -Não seja negativa. Ele vai recuperar logo, logo. Vem cá. - As duas se abraçaram e permaneceram assim por um longo tempo. - Tem mais alguma coisa pra me dizer?
  -Hoje eu falei com a tia, ela me ofereceu um emprego. E eu estou pensando em aceitar, no caso de aquele homem não ligar.
  -Você quer trabalhar?
  -Eu quero te ajudar mãe, e se isso significa que eu tenho trabalhar, é o que vou fazer.
  -Convide-a para almoçar aqui amanhã e conversaremos melhor sobre isso. Vai dormir, já está tarde e, se eu não me engano, você tem prova amanhã.
  -Boa noite mãe.
  -Boa noite querida.
  A filha deixou o quarto e ela se pôs a pegar um travesseiro e uma coberta. Quando adentrou a sala, ela o pegou encarando o céu pela janela. Deixou as coisas em cima do sofá e se aproximou:
  -Tem certeza de que não quer um pijama? - Ele olhou para ela. Usava roupas diferentes das que possuía de manhã.
  -Já estou usando roupas que não são minhas, um pijama que não é meu não é necessário. - Ela deu de ombros. - As estrelas estão lindas hoje. Só e olhar para elas, lembrei de vários nomes de constelações.
  -Você lembrou alguma coisa! Pena que nome de constelações não nos ajude a saber seu passado. - Mas ele mais ouviu o comentário.
  -Consigo ver Cassiopeia. - Ele apontou e ela seguiu o dedo.
  -São tão bonitas para uma bola de gás.
  -Bola de gás... Intrigante.
  -Como assim? - Ela juntou as sobrancelhas.
  -Não sei, mas sinto que algo não está certo. - Ele olhou diretamente nos olhos dela. E ela fez o mesmo. Ficaram assim, olhando um para o outro por tempo suficiente para criar um clima estranho.
  Ela pigarreou:
  -Eu te trouxe um coberta e um travesseiro. É o máximo que posso fazer para que o sofá fiquei confortável.
  -Obrigado novamente.
  -Boa noite. - Ela se retirou para o quarto e adormeceu com a visão de um par de olhos cinza a encarando.

***

  O despertador tocou e Carolina acordou. Depois que tomou banho, acordou as filhas. Enquanto elas se arrumavam, ela preparava um lanche simples para que pudessem comer na escola. Fez tudo em silêncio para não acordar o hóspede.
  Mais uma vez Ana teve dificuldades com o cadarço. Ela a sentou na cadeira da cozinha e pegou os cadarços, tendo total atenção da criança:
  -Lembre-se querida: o coelhinho dá a volta na árvore e entra na toca! - E assim conseguiu um laço. - Estão prontas?
  -Sim.
  -Para a escola nós vamos!
  
***

  -Tia, estou muito feliz que você veio almoçar com a gente! - Era Ana falando enquanto a mãe arrumava seu prato. 
  -Eu também estou muito feliz em almoçar com você! Estava pensando se você não querem ir no cinema mais tarde! - A frase foi seguida por um grito de animação.
  Assim que terminaram de comer, Danielle foi para o quarto fazer o dever, Roger e Ana assistiam à televisão. Carolina lavava a louça e a tia secava.
  -Eu sei que você só ofereceu o emprego para ela porque sabe que sou orgulhosa demais para aceitar o dinheiro.
  -Talvez. Mas Dani quer mesmo te ajudar, se eu não tivesse oferecido, ela mais cedo ou mais tarde pediria para mim. Você vê algum problema em relação a isso?
  -Não. Acho que vai ser bom para ela. Obrigada. E obrigada por proporcionar à elas o que não estou podendo no momento.
  -Você sabe que o que eu mais gosto de ver é um sorriso no rosto daquelas meninas. Você devia ir também.
  -Eu adoraria Lilían, mas tenho que levar o nosso convidado para tirar uma radiografia. Eu sei que ele já me desculpou, mas ainda me sinto culpada por ter sido tão distraída.
  -Boa sorte. Pode nos dar uma carona até a escola? Preciso do meu carro para levar as meninas.
  -Sem problema. Vou falar para elas se arrumarem.
  Carolina deixou Lilían enxugando as louças. A saída da mulher fez com que Roger se aproximasse:
  -Eu só estava curioso para saber se você são irmãs.
  -Não. - Ela respondeu amigavelmente. - Eu sou irmã do falecido marido dela.
  -Faz muito tempo que ele morreu?
  -Vai fazer sete anos semana que vem. Ela já está bem com isso. Mas não faça perguntas demais. - Ele assentiu e ela voltou ao trabalho de secar louça.
  Quando estavam todos prontos, Lília ocupou o banco do passageiro e Roger foi atrás com as duas meninas. Quando chegaram na escola, ele trocou de lugar com a tia.
   -Você provavelmente vai entrar sozinho, então faça tudo o que mandarem. - Ele assentiu. - Como você não se lembra de nada, eles estão fazendo uma exceção.
  Ao chegarem no consultório, esperaram sentados por aproximadamente 30 minutos até que ele finalmente fosse chamado. Quando deixada sozinha na sala de espera, Carolina esperou 10 minutos até que seu celular tocou. Ela deixou o local para atender:
  -Senhorita Carolina? Sou eu, o homem que derrubou café na sua blusa.
  -Olá.
  -Tenho boas notícias para você! Analisamos seu currículo e você está qualificada para uma vaga. Recepcionista está bom para você? - Ela prendeu a respiração.
  -Sim! Muito obrigada! Muito obrigada mesmo!
  -Eu vou te mandar uma mensagem com o endereço. Quero que passe aqui amanhã para começar o treinamento. Venha por volta das 8h.
  -Certo. Obrigada de novo.
  -Não precisa agradecer. Até amanhã.
  -Até amanhã. - Ela desligou o telefone e começou a comemorar na rua mesmo, sem se importar com os olhares que estava recebendo.
  A porta do consultório se abriu e Roger apareceu a tempo de ver sua comemoração.
  -O que aconteceu? - Ele perguntou. Ela se virou para ele e cobriu a distância entre os dois.
  -Eu consegui o emprego! - Ela gritou em pura euforia.
  Estava tão animada que não vira uma pedra em seu caminho. A pedra fez com que a tropeçasse, e cairia direto no chão se o braço do homem não tivesse envolvido sua cintura.
  Eles se encararam de novo. O mesmo clima estranho começou a se formar, como na noite em que eles olhavam as estrelas. Seu coração batia rápido e ela suspeitou que não fosse pela notícia que acabara de receber.
  -Parabéns. - Ele abriu um sorriso e a ajudou a recuperar o equilíbrio.
  -Obrigada. - O resto da viagem até a casa, ela não ousou olhar diretamente nos olhos dele novamente.

***

  Já estava de noite quando Lílian voltou com as meninas.
  -Carol! Nós trouxemos a janta! - Ela sacudiu dois sacos marrons com um grande "M" amarelo. - Eu perguntei o que elas queriam comer e elas disseram isso.
  -Obrigada. Eu tenho uma notícia muito boa para compartilhar! - As três olharam fixamente para ela. - Eu consegui um emprego! E eu começo amanhã.
  Todas gritaram.
  -Parabéns Carol!
  -Mãe, isso é incrível! - Elas se abraçaram.
  -Vamos comer! Roger, junte-se a nós! - Ele se aproximou timidamente.
  -Não há lugares para sentar. Eu espero você, não tem problema.
  -Não se preocupe, eu como de pé. Sente-se. - O olhar de Carolina em sua direção foi tão intenso que ele não teve coragem de dizer não.
  Ele observou aquelas mulheres e percebeu o quanto elas eram uma família. E pela primeira vez, sentiu-se um intruso naquela casa.
  Assim que terminaram de comer, Lilían se despediu e foi embora. Eles assistiram TV até ficar tarde o suficiente para que as duas garotas fossem dormir. Por fim, ele finalmente ficou a sós com Carolina.
  -Eu tenho uma coisa legal para te mostrar. - Ela  lhe lançou um olhar indagador enquanto ele a guiava para a parte da frente da casa dela. Sentaram-se encostados na parede embaixo da janela da sala.
  Ele mostrou para ela várias constelações: a de Andrômeda, a Bússola, Órion e até mesmo uma chamada Compasso. Ela ficou fascinada pelo vasto conhecimento que ele possuía das estrelas e que isso era a única coisa que lembrava.
  Ele desviou o olhar do céu e observou o rosto da mulher banhado pela luz da lua. Desde o momento em que havia acordado no asfalto, achara-a dona de uma rara beleza. Ela o encarou de volta. Seus rostos se aproximaram lentamente, até que não havia distância para cobrir e seus lábios se tocaram.

***

  Ele acordou com a luz do sol no rosto. A casa estava silenciosa, então assumiu que elas ainda dormiam. Sua cabeça estava estranha e então percebeu que a névoa que cobria suas memórias se dissipara. Ele lembrava de tudo. Levantou do sofá e caminhou até o quarto de Carolina.
  Ela acabara de desligar o despertador quando percebeu sua presença. Ele estava sério e tenso.
  -O que foi? - Ela perguntou sonolenta.
  -Eu lembro de tudo. - Ela parou no meio do bocejo. - Me desculpe mas eu tenho que ir.
  O comentário fez com que ela ficasse com raiva.
  -Como assim?! Ir para onde? EU MEREÇO UMA EXPLICAÇÃO! - Ela sacudiu os braços. Ele a segurou e a olhou bem fundo nos olhos.
  -Sua filha fez um pedido para uma estrela cadente e eu o realizei. Eu sei que é difícil de acreditar, mas é a verdade. E eu não posso ficar. São as regras.
  -Você não pode ir embora! - Ela sentiu as lágrimas querendo descer.
  -Me desculpe. - Ele depositou um beijo em seus lábios e saiu. Ela ficou parada onde estava, incapaz de processar qualquer informação.
  Danielle entrou no quarto:
  -Mãe, o que aconteceu? - Depois de algumas horas de lágrimas incessantes, ela finalmente foi capaz de descrever o que acontecera.
  A filha mais velha se recusou a ir à escola. Dedicou seu dia cuidado da mãe. Ela até mesmo ligou para o novo chefe e tentou explicar a situação, ele compreendeu e deu uma nova data para que ela fosse fazer o treinamento.
  Já passava da meia-noite quando ela finalmente conseguiu dormir. Danielle foi para o quarto e foi recebida por uma irmã sonolenta.
  -O que aconteceu com a mamãe? - Ele tomou a irmã no colo e foi para a sacada.
  -Lembra do nosso desejo para a estrela cadente? Ele se realizou. Mas para que ele pudesse ser realizado, Roger tinha que ir embora.
  -Então se o nosso desejo se realizou, é só pedir para que ele volte.
  -Pedidos só funcionam com estrelas-cadentes, Ana.
  -Mas talvez as outras estrelas possam ouvir se nós pedirmos com todo o coração. - Danielle suspirou.
  -Está bem. Vamos desejar com todo o coração.
  "Desejamos que Roger volte para nossa casa e faça nossa mãe feliz de novo."

***

  Chegara o dia. Carolina deixou a casa vestindo seu vestido preto com um buquê de flores variadas na mão. As meninas estavam na casa da tia. Nunca gostou que elas fossem junto.
  Dirigiu com toda a calma possível. Passara no treinamento e estava efetiva na empresa. E o mais importante, superara os acontecimentos da semana passada como uma mulher que sabe o que é sofrer.
  Estacionou o carro em frente ao portão do cemitério. Hoje era seu aniversário de morte. 
  Caminhou lentamente por entre os túmulos. O sol brilhava, mas não trazia um sentimento bom para o lugar.
  Depositou as flores no túmulo arredondado. Era um daqueles que possuía a foto do falecido. Ela gostava de admirar o lugar onde fora enterrado. Era como se a presença dele pudesse ser sentida por ela e isto amenizava a dor da data.
  Ela ouviu passos, mas eles estavam distantes. Finalmente, depois de sete longos anos, ela já não chorava ao ver o túmulo.
  -Uma moça tão jovem, com uma expressão tão triste. - Uma voz masculina familiar veio de trás. - Você fica muito mais bonita sorrindo.
  Ela se virou com o coração acelerado. E viu a figura de quem esperava ver. Ela correu com os braços abertos. Ele a envolveu com os braços e se abraçaram fortemente.
  -Me desculpe por ter saído tão cedo.
  -Resolveremos isso depois. - E ela deu o sorriso mais verdadeiro em sete anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário