quarta-feira, 15 de outubro de 2014

18 Luas de Faet

  Mas claro que a sacerdotisa tinha que chamá-la. Já não bastava ela ter que trabalhar naquele hospital lotado de energias negativas, ela agora tinha que receber sua profecia.
  -Venha querida, aproxime-se de Draordan e anuncie-se. - A velha caquética fez um gesto para que ela saísse do círculo e fosse até o centro, onde a estátua do dragão Draordan ficava.
  -Meu nome é Bianca e eu sou aquela que possue as 18 luas de Faet completas, mostre meu destino!
  De repente o salão oval e escuro no qual se encontrava desapareceu em um borrão e um outro salão tomou seu lugar, ele era retangular e bem amplo, sem decorações ou ornamentos, era apenas retangular e escuro. Bianca ouviu passos se aproximando e só então reparou nas duas figuras que se encaravam no lugar.
  A primeira era um homem alto e loiro, usava uma roupa casual, jeans e camiseta, a outra figura era bem pequena e usava uma túnica negra. Bianca soube que era ela em seu futuro. Os dois se encaravam e ela pode ver lábios se movendo, mas nenhum som saía de suas bocas, até que uma batalha mágica começou. Feitiços voavam para todos os lados, a visão começou a ficar embaçada e logo Bianca estava de volta ao salão das bruxas.
  Ela estava tremendo e sua mente tentava processar a visão: teria que enfrentar aquela figura, mas a dúvida se saíria vitoriosa ou não a deixou inquieta. Qual era a razão de mostrar o futuro, se ele só viria pela metade? Que babaquice.
  Ela retornou ao seu lugar no círculo e sentiu os olhares das irmãs, olhares curiosos. Mas ela já vira a cerimônia das 18 luas, não podia compartilhar sua visão com ninguém, era um fardo que tinha que carregar sozinha.
  -Dispensadas. - A sacerdotisa anunciou. Bianca soltou um suspiro, como ia saber o que fazer com essa informação?
  Ela seguiu o corredor para fora do salão, e saiu para a noite por uma porta de madeira. Amanhã seria um longo dia...

***

  Mais um dia começava para o emprego de Bianca, validação de exames... A única parte boa de trabalhar naquele lugar era que ela podia ver o Felipe. Tirando a parte que ele era um completo imbecil, havia algo nele que a atraía e ela não sabia o quê.
  Bianca foi entregar alguns exames quando esbarrou nele:
  -Trabalhando muito... Ta gostando do novo cargo?
  -Ao contrário de você eu to trabalhando sim. - Bianca retrucou. Em resposta, ele apenas sorriu. Aquele sorriso irresistível, quer dizer, irritante.
  Ela seguiu o caminho e ele foi na direção oposta. Antes de retornar para sua sala, ela passou pelo lugar onde costumava trabalhar, agora quem estava lá era Mônica.
  -Não sei o que dá no Felipe, só fica passeando em vez de trabalhar e ainda me cobra. - Ela havia acabado de atender alguém.
  -Que folgado, acha que é quem? - Ela revirou os olhos.
  -Né... Tá conseguindo fazer tudo sozinha? - Fazia apenas três dias desde que Bianca deixara a colega para trabalhar sozinha.
  -A maior parte sim, o pior são aquelas velhas chatas que ficam insistindo no telefone. Odeio. - Bianca riu.
  -Tem que se acostumar amada. Deixa eu voltar pra minha sala.
  Quando voltou para casa naquela noite, Bianca não dormiu direito.

***

  Uma semana se passou desde a visão de Draordan. Bianca podia até suportar essas maluquices de profecias, mas ver a mesma visão toda a noite era exaustivo. O pouco de sono que aproveitava estava esgotando suas forças, na quarta-feira ela conseguiu ver um dos espíritos que rondam os corredores do hospital e ele estava bem sólido. Esse era o preço a se pagar por possuir uma aura propícia aos mortos.
  A ideia de trabalhar em um hospital foi toda da Sacerdotisa, ela afirmara que estar presente em um ambiente lotado de espíritos ia servir de treinamento, além de que ela poderia desenvolver algum talento para necromancia, mas Bianca não era louca de se aproximar do necrotério pra mexer nas tripas de algum falecido e é claro que aquela velha não contava com sua efetivação no emprego.
  Agora, Bianca estava presa num lugar cheio de fantasmas resmungões e com o peso de sua profecia. Quanto ao último item, ela repetia para si mesma que aquela visão poderia acontecer em um futuro bem longínquo, mas quanto mais afirmava isso, menos acreditava.
  Sua mãe tentara amenizar as coisas, mas quando ela completara 18 luas de Faet, recebeu a visão de um casamento. Como se ela pudesse entender o que se passava dentro da cabeça de Bianca...
  Segunda chegou e Bianca foi obrigada a desviar de três espíritos, o que resultou nela esbarrando (de novo) em Felipe. Era muito estranho isso acontecer, ela nunca sabia onde ele estava e ele sempre aparecia onde ela estava. Era ótimo, de uma maneira irritante.
  -Ei, você não parece bem... Anda dormindo direito? - Bianca arregalou os olhos, ela conferira antes de sair de casa que a maquiagem estava cobrindo completamente as olheiras.
  -Eu to bem. - Ele fez uma expressão de quem não acredita, mas ela ignorou e seguiu o caminho.
  Mais tarde, ela passou novamente na sala de Mônica:
  -To começando a achar que você quer seu antigo cargo de volta.
  -Eu quero mesmo é sair desse lugar.
  -Eu tenho uma notícia que eu pensei q ia te deixar animada, mas com essa cara que você tá, acho que não vai mais.
  -O que é? - Bianca perguntou.
  -O Felipe passou aqui mais cedo e pediu pra eu te falar que ele quer que você encontre ele lá... - Bianca travou.
  -O QUÊ?! - Mônica não conseguiu conter o riso.
  -Pode ser que ele tá te chamando pra fazer coisas diferentes do que eu to pensando, mas eu acho que é o que eu to pensando. Você vai lá né?
  -EU NÃO! Vai saber o que ele quer fazer comigo lá dentro.
  -Palhaçada.
  No final do expediente, Bianca já estava se arrependendo da sua decisão. E se ele ficou lá a esperando durante toda a tarde? 
  Ela balançou a cabeça.
  Seria pouco para alguém com um plano tão imbecil. 
  Isso tudo se juntou ao fato de que ela teve que ficar até depois do horário para resolver o problema de outra pessoa. E quando ela achava que a situação não podia ficar pior, ela percebeu que tinha mesmo que ir ao almoxarifado antes de sair. O amor que Bianca nutre por sua chefe só aumenta...
  Ela se agarrou a possibilidade de ele já ter ido embora, era algo bem plausível, considerando a hora. Mas é claro que ele ainda estava lá. Karma é realmente uma vadia.
  -Que bela hora pra aparecer, eu já estava começando a pensar que ia embora sem passar aqui. - Felipe choramingou.
  -E eu ia. Me pediram pra deixar um documento aqui.
  -O que eu fiz pra você me tratar desse jeito? - Bianca revirou os olhos. - Não faça isso pra mim.
  -Boa noite. - Ela disse rispidamente.
  Bianca tentou sair, mas Felipe bloqueou a porta. Ficar em um lugar tão pequeno e tão perto dele fez com que se coração acelerasse. Ela respirou fundo.
  -Me deixa sair.
  -Não. Tenho umas coisas pra resolver com você. - Bianca ficou com muito medo de como aquela frase soou. Ela recuou até bater as costas em uma prateleira. E lá estava ele novamente, tão próximo... tão próximo que...
  E, simples assim, já não existia mais distância alguma entre os dois. E ela sentiu um toque elétrico nos lábios que ele tocou. Por um momento, era como se aquela sala apertada tivesse desaparecido.
  Espera...
  Ela tentou se apoiar na prateleira às suas costas, mas sua mão pegou uma boa quantidade de nada. Isso fez com que seus sentidos ficassem mais aguçados. Ela se afastou.
  Definitivamente não estava mais no almoxarifado. Ela se encontrava em um salão retangular e escuro, O salão retangular e escuro. E isso só podia significar que a pessoa à sua frente era...
  -Foi mais fácil do que imaginei. - Felipe declarou.
  -O quê? - Ele pegou, aparentemente, do nada uma túnica preta.
  -Se vamos lutar, quero que esteja vestida como uma das suas. - Ele jogou a túnica em sua direção e Bianca pegou, finalmente saindo de seu transe.
  Karma realmente é uma vadia.
  -Você sabia esse tempo todo? - Ela declarou, se forçando para não chorar. Ela não iria demonstrar fraqueza.
  -Ah sim, mas a diferença entre eu e você é que eu já estava preparado.
  Bianca atacou primeiro.

***

  O salão começou a cair aos pedaços, resultado da dura batalha. Seu corpo jazia estirado sem vida no chão frio de pedra. O destino é cruel para alguns.
  Bianca observou seu corpo patético. E pensar que ela gostava daquilo, sentia quase tanta pena de si mesma quanto dele. Mas não há espaço para ter pena de si mesma, ela fez o que tinha de ser feito e não se arrependia de nada.

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