terça-feira, 21 de outubro de 2014

Tia Norma e a Chegada

  Segunda-feira chegou e eu acordei como sempre: meu despertador tocando tão alto e tão forte que cai no chão, mas é com o barulho dele caindo que eu acordo. Minha mãe já está se arrumando quando eu vou dar bom dia. Vai ser a primeira semana de muitas que ela vai ter que viajar por conta do novo trabalho: aeromoça.
  -Bom dia filha. - Ela fala enquanto passa rímel no olho direito. O coque que prende seu cabelo loiro está bem firme.
  -Está animada pro novo trabalho? - Eu pergunto, ainda meio grogue de sono.
  -Um pouco assustada, mas acho que é de animação. - Ela termina de passar a maquiagem e veste a saia com os sapatos. - Tome cuidado pra ir na escola, não vou poder te dar carona.
  -Eu já combinei com o Diogo de ele passar aqui pra gente ir juntos.
  -Tenho tanta sorte de você namorar alguém como ele, mas nada de abusar enquanto eu estiver fora. - Ela sai do quarto e vai em direção a sala - Eu vou deixar a chave do portão dentro da caixa de correio. - Ela me beija na bochecha, deixando-a manchada de batom grená, logo depois abre a porta. - Não se esqueça de tratar bem sua tia.
  -Mãe, eu não faço a menor ideia de quem ela seja. Eu não preciso de ninguém cuidando de mim. - Reclamo, cruzando os braços.
  -Eu sei que não. Tenho que ir, o fretado vai passar daqui a pouco. Se cuida, eu volto em duas semanas.
  -Tchau mãe. - Antes de sair, ganho um abraço.
  -Eu te amo. - Ela sussurra.
  -Eu também te amo. - Eu sussurro de volta.
  Quando ela fecha a porta, eu vou até a janela e a observo esperar o ônibus. Demoram alguns segundos até que ele chega e ela sobe. Dou um breve suspiro antes de começar a me arrumar para a escola.

***

  Estamos parados em frente ao portão da minha casa. Diogo segura minhas duas mãos.
  -Tem certeza de que não vai no treino hoje? - Ele me pergunta.
  -Tenho que receber minha tia. Amanhã pode ter certeza que eu vou.
  -Vou me lembrar dessas exatas palavras. E fale que eu mandei um oi pra sua tia. Qual das suas tias? Você tem uma tia?
  -Ela é irmã do meu pai, ou era, não sei. A questão é que quando meus pais namoravam, eles eram muito unidos, mas aí ela casou e se afastou da família. Foi só quando ele morreu que ela voltou a se reaproximar, mas eu nunca a encontrei. Mas meus pais sempre contavam história engraçadas dela nas festas.
  -Mande um oi mesmo assim. Agora eu tenho que ir. - Ele se inclina e me beija. - Tchau Sofs, até amanhã.
  -Tchau, bom treino. - Ele vai andando calmamente de volta pra casa e eu pesco as chaves dentro da bolsa.
  Estou meio nervosa para conhecê-la. Sei que ela já está em casa por que tem um carro amarelo estacionado em frente ao nosso portão. Minha mãe deve ter dado uma cópia das chaves. Sinceramente, não sei o que esperar dela.
  A porta está destrancada. Eu a abro e a cena que vejo derruba todas as minhas expectativas.
  Meus olhos se abrem ao ver duas mulheres se agarrando em cima do sofá da sala. Elas só notam minha presença segundos depois, quando a porta bate atrás de mim. As duas olham pra mim em espanto, e sinceramente não sei qual das duas é minha tia. 
  A mulher que estava por cima (?) se levanta e ajeita o cabelo vermelho, e não ruivo, olha pra mim, depois olha para a mulher no sofá:
  -Norma, eu pensei que teríamos um tempo livre, a garota não tinha um treino pra ir?
  -Dani me avisou que ela ia no treino do namorado, mas acho que hoje não foi. Desculpe Gi, melhor você ir.
  Tudo o que consegui fazer foi ficar parada observando o diálogo. Até onde eu sabia, ela era divorciada de um homem. A outra mulher pegou a bolsa jogada no chão e parou na minha frente:
  -Uma pena você ter aparecido, eu e a Norma estávamos chegando em algum lugar. Que bela hora escolheu pra brigar com seu namorado. Não te culpo por isso, homens podem ser uns babacas... - Ela abriu o zíper da bolsa e fuçou até tirar um papel e entregá-lo para mim. - Se um dia se cansar dele, pode me ligar que eu ajudarei a aliviar a dor. - Antes de sait pela porta, ela piscou na minha direção. 
  Eu espero que ela não apareça mais aqui... Minha tia levantou e alisou as roupas. Ela deveria ter uns 40 anos, mas era bem bonita. Tinha o cabelo na altura dos ombros, castanho, da mesma cor do meu pai, era cacheado nas pontas. Usava um vestido listrado bem ousado e no rosto resta um vestígio de maquiagem.
  -E aí garota?
  -Ahn... Oi... - As histórias sobre ela eram mesmo reais...
  -Olha, sua mãe me disse que sempre ia pro treino do seu namorado toda segunda. - Ela se sentou de novo e pescou um maço de cigarros na bolsa. - O que faz aqui tão cedo?
  -Eu vim receber você... - Eu ainda estou parada em frente à porta. Ela fez uma careta enquanto tirava um cigarro do maço.
  -Aprendeu da pior maneira que não preciso ser recebida. Sua mãe me deu a chave. - Ela posicionou o cigarro na boca e o acendeu com um isqueiro arco-íris. Eu abri a boca para falar, mas fechei. O que eu podia falar pra um comentário desses? E como minha mãe teve a coragem de me deixar sob os cuidados dessa maluca?
  -Você não deveria, sei lá, cozinhar pra mim? - Eu perguntei.
  -Garota, quero deixar bem claro que eu estou aqui pra impedir que você queime a casa ou dê uma festa, suas necessidades não são da minha conta. E se vamos conviver juntas daqui pra frente, quero que me chame pelo meu nome é Norma, não Tia.
  -Como quiser, Tia Norma. - Digo enquanto ando rapidamente até meu quarto e fecho a porta. Minha mãe só deveria estar louca quando pediu pra essa mulher desprezível vir morar comigo. Se ela achava que eu ia aceitar tudo de boca fechada, se enganou. Minha mãe pode ser assim, mas eu odeio quando abusam de mim. Chamá-la daquele jeito foi uma maneira de mostrar que ela não me assusta.
  Como não estava com vontade de sair do quarto e olhar para a cara daquela mulher, minha única escolha foi mexer na internet até ficar entediada e fazer a lição de casa.
  Quando o relógio bateu 4h00, peguei meu celular e liguei para o Diogo:
  -O treino acabou? - Perguntei sem nem dizer alô.
  -Acabou sim. O que foi?
  -A gente pode sair pra comer? Não almocei hoje.
  -Por que? Sua tia não deveria ter feito almoço pra você? Não foi pra isso que sua mãe pediu?
  -Eu também pensei que fosse, mas aconteceram umas coisas bem estranhas... Me encontra no Zoela?
  -Sim, mas vou passar em casa e tomar um banho primeiro.
  -Ta bom. Tchau.
  -Até daqui a pouco. - Ele é quem desliga primeiro.

*** 

  -SUA TIA FEZ O QUE? - Foi a reação que Diogo teve ao saber do acontecido.
  -Se eu não tivesse visto com meus próprios olhos, eu não teria acreditado. E ficou mais difícil de acreditar porque ela é divorciada.
  -De um cara? - Assenti. Ele arregala os olhos.
  -E ela nem pediu desculpas, me tratou como se eu tivesse invadido a casa dela.
  -Por que sua mãe chamou ela pra ficar com você?
  -Sei lá, ela também não disse. Eu pensei que ela fosse mais responsável do que eu, mas me enganei. - Termino de comer o lanche.
  -Quanto tempo vai ter que ficar com ela mesmo?
  -Até eu arranjar minha própria casa, ou minha mãe ser demitida. - Apoio a cabeça nas mãos.
  -Você pode comer lá em casa...
  -Sua mãe não vai brigar? Eu comer na sua casa todo o dia... - Ele deu risada.
  -Minha mãe adora você. - Eu sorrio para ele. - Com isso eu ganho uma medalha escrito "Namorado do Ano"?
  -Você pode estar entre  os indicados...

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