-Sentem-se! Assim não contarei a história! - Gritei em meio ao alvoroço da classe. O aviso teve efeito e logo estavam todos sentados e quietos.
Quando estava prestes a começar, Marco entrou na sala:
-Vai contar aquela história para eles, mãe?
-Pode juntar-se a nós se você quiser.
-Nunca me canso dela. - Ele sorriu, puxou uma cadeira e sentou-se ao meu lado.
"Dizem que na montanha que existe aqui em nossa vila possui um santuário escondido. E que nele vive uma entidade. Uns dizem que é uma deusa, outros acreditam que seja um anjo que nos protege. Mas poucos tiveram a coragem de ver com os seus próprios olhos o que existe onde os nossos olhos não podem ver.
Os que já subiram, há muito tempo, passam essa história de geração em geração. A história de como ela chegou lá em cima.
Um dia, ela acordou no meio da floresta, com feixes de luz passando pela copa das árvores. Ela não sabia o porque que estava lá ou como havia chego lá. Só sabia para onde tinha de ir. E assim começou sua jornada para onde nós chamamos de O Santuário Delectatus.
A única coisa que tinha era uma bolsa com vários objetos que ela não sabia como usar. Resolveu escalar uma árvore e observar em que direção tinha que seguir para a montanha. Achou-a facilmente. Ela sentia que era a primeira vez que a via tão de perto. Visualizou um deserto não muito longe. Ela reparou também que o topo estava encoberto por nuvens densas.
Ela caminhou por três dias, sempre na mesma direção. Até que um túmulo cruzou o seu caminho. Ele era grande, com uma estátua representando uma mulher descalça e encapuzada com um cajado na mão. De repente, ela soube exatamente o que tinha que fazer.
Remexeu na bolsa até achar um pequeno pote com tinta vermelha. Com a tinta, desenhou um círculo no chão e sentou dentro dele, depois bateu palmas três vezes. Uma luz apareceu e ela fechou os olhos.
Quando os reabriu, a mulher retratada na estátua estava flutuando na sua frente. Ela não parecia sólida e sua cor esbranquiçada oscilava. Quando falou, ela sentiu seu coração se aquecer, sentiu como se a conhecesse:
-Novissi. - Este era seu nome. - Eu sou Patriss. Creio que você me convocou.
-Sim, mas... Não sei como fiz isso. Não lembro de nada do que aconteceu desde que eu acordei. Novissi é meu nome? - O fantasma assentiu. - Eu só sei que tenho que alcançar aquela montanha.
-Como você me chamou, eu lhe ajudarei quando necessário. A parte difícil de sua viagem começará em dois dias, quando você alcançar o deserto. Mas lá, encontrará alguém que lhe irá servir para você entender quem realmente é. Você pode não me ver, mas estarei lhe acompanhando. Nos encontraremos em breve.
E então sumiu. E junto com ela, a sensação que Novissi tivera também. Ela estava se sentindo sozinha e queria que aquela entidade voltasse, mas obviamente isso não aconteceria. Tudo o que ela podia fazer era caminhar.
Como o fantasma havia previsto, ela alcançou o deserto depois de dois dias. O sol estava em seu ponto máximo. Ela podia enxergar o calor irradiando do areia. Subitamente, ela viu algo na areia, não muito longe dali. Conforme foi se aproximando, o que ela vira tomou forma de um homem. Ele usava uma camisa que um dia fora branca, calça marrom e um lenço na cabeça. Ela reparou que seus lábios estavam rachados e secos.
-Você consegue me ouvir? - Ouviu um murmurio em resposta. Já era suficiente. Ela o olhou e reparou que ele estava descalço. Ao analisar a sola, ela viu que estavam queimadas. Ela queria ajudá-lo, mas não sabia como. Obviamente era pesado demais para carregá-lo e cansado demais para andar sozinho.
-O que eu faço? - Ela murmurou. Ela piscou e Patriss estava em sua frente.
-Você sabe o que fazer. - E apontou para onde havia uma construção.
Isso fez com que ela tivesse um pensamento vago de quem era. Uma usuária de magia."
-Professora! - Um dos alunos levantou a mão. - Posso ir ao banheiro?
Suspirei.
-Vá rápido.
Depois de cinco minutos, que pareceram eternos para os que estavam esperando, ele voltou.
"Ao recuperar uma pequena parte de sua memória, ela soube como levaria o homem sem nenhum esforço. Ela fez um gesto com a mão e o corpo foi flutuando ao seu lado."
-Então é por isso que a chamam de deusa?
-Os relatos dizem que ela tem poderes inacreditáveis.
"Ao se aproximar do lugar, percebeu que antigamente era uma construção imponente e bonita, mas agora não passava de ruínas. Ela entrou e pousou o corpo dele gentilmente no chão, usando sua mochila como travesseiro. Mas antes, tirou de dentro o mesmo pote de tinta vermelha.
Com ele, desenhou outro círculo e repetiu o mesmo processo que fizera da primeira vez, mas agora um cantil aparecera.
-O que aconteceu? - Ela perguntou em voz alta, sentindo a presença do fantasma.
-Temo que esta não seja a hora certa para lhe contar.
-E ele? Pensei que eu estivesse sozinha.
-Suas vontades são prematuras. Todas as perguntas serão respondidas. - E então desapareceu. Ela não estava gostando nem um pouco de todos esses diálogos vagos. Subitamente, ela ouve um gemido e corre até o homem com o cantil na mão. Lentamente, ela virou o cantil em sua boca. Enquanto ela tratava das queimaduras em seus pés, eles começaram uma conversa:
-Qual o seu nome? - Ela perguntou.
-Me chame de M.
-A letra? - Ele assentiu. Depois de uma pausa, ela fez outra pergunta.
-Como você se perdeu no deserto?
-Não sei. - Ele respondeu. - Eu procurava por alguma coisa, mas esqueci. De qualquer forma, como você conseguiu água?
-Eu conjurei. Aparentemente, é uma habilidade minha.
-Você deveria visitar a montanha. Ouvi dizer que lá se encontra respostas para tudo. Ouvi também que existe uma vila do outro lado.
-Acho que já ouvi uma história sobre isso, mas minhas memórias estão confusas. Mas vendo todo este lugar vazio e devastado, eu duvido que exista alguma vida do outro lado da montanha.
-Então vamos juntos descobrir a verdade. - Ele sorriu para ela.
Durante a viagem no deserto, muitas vezes, ela foi enganada por miragens. Mas M sempre estava lá para ajudá-la. Ele sempre estava lá para guiá-la para o caminho certo.
Quando chegaram perto da montanha, a areia foi dando lugar a neve. Os dois pararam em frente ao que parecia ser um caminho para o topo:
-Eu a deixo nas mãos da montanha agora. - Ele disse assim que chegaram.
-O que quer dizer?
-Eu tenho que ir embora.
-Por que? - Ela perguntou desesperada. Ela devia muito a ele.
-Eu não sou real. - Aquelas palavras a atingiram com força. Ele era real, não era?
-O que quer dizer com isso? - Ela perguntou confusa. Patriss apareceu ao lado dele e começou a falar.
-M é um ser criado pela sua mente. Pelo seu desejo de não ficar sozinha. Ele te acompanhou até aqui porque sabe que não pode adentrar no solo sagrado da montanha.
-Eu não entendo! - Ela gritou enquanto a figura de M desaparecia em um punhado de areia levado pelo vento. - Você sabe o que está acontecendo! Por que não consigo me lembrar?!
-Por que é doloroso demais.
-Também é doloroso me esforçar para lembrar e não conseguir.
-Alcance o topo da montanha e você terá suas memórias de volta.
E assim o trato foi feito. Novissi demorou um mês inteiro para chegar ao topo da montanha. Mas percorrer por todo esse tempo, valeu a pena. Ao chegar a seu destino, ela descobriu-se em um santuário. Enquanto caminhava pela construção imponente, pedaços de sua memória foram se encaixando até que ela lembrou de tudo.
Ela era de uma raça de bruxos muito poderosos. Todos viviam em paz até que seus poderes atraíram criaturas de ambição alta e assim foram escravizados e obrigados a gastar suas energias por coisas fúteis. Mas isso não os fez bem e um a um foram morrendo. Sem seus escravos, as criaturas não sabiam como viver, foram se extinguindo pouco a pouco.
Novissi era a última sobrevivente. Ela confiara suas memórias a Patriss para que essa a guiasse ao santuário, onde pudesse falar com os fantasmas de sua antiga civilização."
-Mas por que ela apagou a própria memória? Se ela não tivesse feito isso, teria sido muito mais rápido chegar ao santuário.
-Somente os com intenções puras podiam adentrar o local. Alguns dizem que ela havia sido corroída pela raiva e insanidade. Foi também uma maneira de manter a mente sã.
-O que aconteceu depois que ela chegou?
"Ela convocou os fantasmas de todos ali mantidos. Muitos não responderam ao chamado, pois queriam descansar em paz. Mas os que responderam ficaram aliviados ao saber que teriam uma segunda chance.
Ela também comprovou que existia mesmo uma vila do outro lado da montanha e sempre que podia ia visitá-los. Alguns dizem que ela até se apaixonou."
-Como ela era?!
-Qual a idade dela?!
-A história diz que ela tinha cabelos curtos cor de areia e olhos tão verdes quanto esmeraldas. De acordo com a idade da lenda, estima-se que ela tenha mais de mil anos.
-E como ela conseguiu casar com alguém que tem um limite de idade menor? - Dessa vez, Marco fez a pergunta.
-Isso, ninguém sabe. - Dei uma piscadela em sua direção. Talvez uma ou duas...
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